terça-feira, 23 de dezembro de 2008

caminhos

o taxi pergunta
se é lá pra perto
da cartomante.

Eu,
tanta incerteza,
ganho de brinde
um destino.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

volta

o chá

não acalma
quando se perde

O sono

Cachorro de rua

Não tem

dono

que faça
voltar

a tomar

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

costume

o novo apartamento
era maior que o antigo:
mais janelas para fechar
na hora de se esconder.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

visão

em tempos de crise
lê-se o futuro
no café solúvel:
não há borra

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

box

foda-se.
eu não quero mais

a chuva que sai
pela máquina de lavar
roupa suja

a intimidade batida
com sabão-coco
de calcinhas lavadas a mão
em constelação
no box

noites encaixotadas
de fosfobox, coisa e tal
e a minha cama virando
um quintal mal varrido.

liquidificador em curto
que bate
pessoapunhetaproduto
suco de um surto só.

domingo, 30 de novembro de 2008

tempo para o poema

não há tempo para o poema
quando tem-se que depilar as pernas.
Quando a casa é suja, e a barriga ronca
e a ferrugem impregna na janela de alumínio.

Entre o escovar de dentes e bater de portas,
entre o colesterol alto e o salto no asfalto
encerra-se o poeta.
A vida aflita não comporta
o que importa para a escrita.

O sorriso de leite
no primeiro dente do filho que chora;
O amor, que já foi embora;
A eterna sensação de que demora:
o que se vive, não se escreve.
No registro se perde
o quanto eu existo.

desisto!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

aceita

Não pode ser porque não deixam
Não pode ver porque não guenta

assenta.
assenta.

Não vai passar por qualquer porta
porque está como quase morta

entorta.
entorta.

Não pode ganhar porque está feia
Não pode roubar porque é perfeita

estreita
estreita.

Não pode trocar, não tem permuta
Não pode cantar porque o vizinho escuta
Não pode amar que o mundo espreita
Não pode agir.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

intimidade

Constelação
de buracos
na fronha.

Toalhas manchadas,
meias perdidas,
insônia.

Coisas que não tem como durar.
casa que não tem
onde guardar coisa.

Mania de
cheirar madeira.
Algodão-doce.
Banho até
ficar vermelha.

Medo de ficar velha.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

princípios

querido, essa noite
tive um sonho

horrível!

Você vinha de mansinho
feito um carinho na nuca
Céu azul, cabelo ao vento,
cavalo branco

E, como num filme

terrível!

me beijava a testa
e servia o café.

sábado, 15 de novembro de 2008

sabores

escolher sorvete,
exercício de humor:
café para os dias maduros
menta para os solitários
pistache para os adúlteros
banana caramelada,
quando sentir criatividade.

chocolate é coisa de todos os dias:
comer devagar para provocar os irmãos
respingo manchando o vestido vermelho,
mão dada, abraço, gelado na testa.
lembrança da maresia
no escorrega da praça.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

work in progress

De volta ao conjugado da praia do flamengo, as cortinas permaneciam fechadas. Talvez porque erguê-las seria constatar a previsão maçante da paisagem. “Que tédio”, pensou, “sempre a mesma”. O céu que não mudava, os prédios que não mudavam cobrindo o morro que, por trás de tudo, não era possível saber. Apenas os outdoors de três em três meses para reinaugurar na paisagem cada vez um novo rosto, todos indistinguíveis entre si.

Enfiou as mãos no bolso do casaco, como se procurasse algo, sem saber bem o quê, talvez o amor perdido. Não o amor por ela mas aquele amor adolescente que alimenta nossa necessidade de não morrer. Ergueu-as ainda cerradas, demorando no gesto. Do sobretudo saíram: um tíquete do metrô da viagem para Paris, em 1994, algumas linhas quebradas do forro, uma moeda de cinquenta centavos e outra de dez. “Não era bem o que eu esperava”. Riu, mas no imediato a seguir procurava de onde vinha essa capacidade. A falta de resposta tomou-o num soluço e o homenzinho desabou num choro nervoso.
Pensou em Beatriz, e no momento exato em que tocou os cabelos pretos, a partir de alguma piada como desculpa, que surgira na criatividade bêbada. Não lembrava mais da piada, mas lembrava da textura dos cabelos e poderia descrever a inclinação exata com que os olhos amendoados viraram em sua direção. Trinta e um graus. Queria ligar mas não tinha o telefone. E se tivesse, ligaria?

Da rua vinham barulhos de carros, barulhos de gente, de jogo de futebol. Vinham pedaços de confusão na voz inadequada dos travestis. Mas haviam outros barulhos. barulhos de coisa, barulhos de apartamentos que subiam pelo vão do prédio e denunciavam a intimidade intrusa dos vizinhos. “Se eu tivesse talento talvez tentasse escrever algo sobre isso”. Virou o rosto num grunhido de indignação e ligou a tevê para abafar a realidade. A noite foi uma diversão só, examinando o temporal escorrer na janela e a cerveja goela abaixo, delirando tudo em desenhos que três horas depois estariam perdidos em algum depósito da comlurb.

domingo, 9 de novembro de 2008

tombo

Lembro gostoso
de quando ainda era constante
aprender

Amarrar os cadarços
soletrar os nomes
levantar sem chorar

A mãe soprava o mertiolate:
não vai arder

Na gaveta dos remédios,
hoje eu alcanso o armário
mas não acho band-aid
que ajude.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

é

o dia que não passa
a fila que não anda
o amor que não chega
o telefone que não toca
o dinheiro que não supre
a vontade que não acaba
o cabelo que não cresce
o corpo que não funciona
a dor que não justifica
a vida que não dura.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

reverberação

aqui,

pertinho

escuta o coração

batendo

na água

como uma pedrinha

que quica

quica, quica,

e depois

afunda.

sábado, 4 de outubro de 2008

quem?

todos escrevem poemas.

Quem estará nas ruas?
quem apertará os botões
das máquinas de fabricar,
das máquinas de limpar,
das máquinas de rodar
o mundo?
todos escrevem poemas.

Quem viverá, real e convicto
material e invicto
sem escrever poemas?

Quem empurrará os carrinhos de bebê?
quem plantará os legumes?
quem contará o troco?
quem subirá no palanque
e quem o aplaudirá?

Quem passeará pelos supermercados
e abrirá as torneiras, as portas, as bocas,
nas ações cristalinas, cristalizadas,
do banho, do trabalho, da comida.

Quem nas horas duras,
quem, nas horas vagas,
quem é que ainda tem horas vagas?
todos escrevem poemas.

Quem, ao se deitar,
quem, ao passar,
quem ao viver
não estará morrendo?
Um dia após o outro
contando, regressivos,
as páginas para o fim
do livro.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

asfalto

pelas pedras portuguesas
pretas
trepidam, intrépidos,
os travalínguas.

fios de hélio
puxam pro alto
no emaranhado
de marionete.

eu, tropeçando
nos postes
como se andasse

de patinete
não vou a lugar
alugar
nenhum.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

rabanetes

como rabanetes
inteiros, com casca

estalam nos dentes
e combinam a cor
com o esmalte nas unhas.

como rabanetes
como se fossem maçãs
do teu rosto
engasgado
pela manhã.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

diretriz

Não dá um pio. Segura os espirros.
contando os azuleijos,
preto-branco-branco-preto
Os andares do elevador;
os segundos ímpares de cada hora
pra saber a demora da vida.

- falta muito?

Pulando os degraus,
as amarelinhas,
as cordas
do relógio.
Pisando na linha dura
das memórias tristes,
nas calçadas riscadas
com faixa de travessia,
nos tapetes de porta aberta.

- tá chegando?

Salta quando o carro pára.
Paga quando o sinal fecha.
Ergue-se imponente,
impotente,
o olhar com direção incerta.
Acerta o vestido e
sem ninguém acerca
pergunta

- para onde estamos indo?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

setembro

Primavera.
Setembro chegou nublado
com um medo às portas.
De se perder
em amarelos pálidos
até empalidecer,
de não amanhecer
de jogar fora
de sonhar em fuga.

De ir ventando,
vela em vela,
o desejo sem vontade.
Sóbrio, raquítico
paralítico.

Faz frio.
As horas escapam
porque não há
quem as prenda.
Puxo o cobertor pacificamente.
Amanha, o dia
virá sem surpresas:

Setembro ou não Setembro
há sempre o tempo e o medo.

De não saber querer
à vontade.
Sem papas na língua,
sem papos.
Querer,
até perder
a linha
e o prumo
do poema.

os nomes vão

Passam carros
passa gente
passam ônibus
passam a frente.

Passam nuvens,
passarinhos,
poemas
voam
do ninho.

Passa o avião
e as coisas que disfarçam
de não passarem
mas passam.

Os dias se somam
e somem
com a fome que me consumia
- tinha? ou não tinha nome?
comia meu coração.

Os dias passam correndo
com nomes, de amor ameno.
Homens vãos,
os nomes vão.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

parábolas erradas de provérbios que deram certo III

de hábito
em hábito
a galinha
virou monge

domingo, 14 de setembro de 2008

contagem

Não vou calçar os chinelos
nem fazer as compras;

Não vou abrir a janela,
previsão do tempo
não é horóscopo.

Tanto faz
se é domingo:

não conheço
quem vá a missas.

conheço quem vá às pressas,
conheço quem fique às moscas.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

soluço

de repente
a poesia não faz
sentido

Reza que acalma.
Assopra que limpa.
Chora que volta.
Dorme que passa.

de repente
o sentido não faz
falta

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

hesitante

E se eu gritasse,
Ôco,
Por entre os dedos
Da tua língua?

E se eu ficasse
Um pouco
Pelo que restava
um grão que fosse?

E se eu descobrisse
De repente
A tua caligrafia esquecida
No antigo caderno de telefones?

E se eu gozasse,
No riso,
O acaso das tuas pernas doces?

E se eu morresse,
Um sopro,
No desejo inconsciente de um sonho?

E se eu quebrasse as xícaras
Numa manhã estranha
E andasse reticente por calçadas de domingo?

E se eu fosse?
E se eu fodesse?
E se eu falhasse?
E se eu pudesse?

Estaria eu no subjuntivo dos verbos?

Acontecesse o que acontecesse.
Nada que não é nada
As vezes
Não é nada mesmo.

sábado, 6 de setembro de 2008

confusão

Não sei o que aconteceu.

Comprei um vestido,
o café esquentou,
enquanto eu anotava
um sorriso no canto
do caderno
que não era moleskine.
Tomei um banho,
você se vestiu,
enquanto eu plantava segredos
no canto do travesseiro
que não era seu
mas era.

tocaram à porta
o cano estourou
lavaram a fronha
o táxi chegou
manchou o vestido
não tinha mais jeito
você foi embora.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

distante

a Praia de Botafogo
tem essa richa
de ficar olhando
para o céu, sem dizer
coisa alguma.
rindo de longe,
sabendo que o passante
não alcansa
o horizonte.

sábado, 30 de agosto de 2008

cambio, desligo

A luz fluorescente
queimou.
Que diriam, se soubessem
dessa tal luz
que na promessa não queima?

O elevador parou.
Acabou a água.
Perdeu a chave.
Emperrou a porta.
Fechou o registro.

Faltaram palavras.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

cresce de novo.

Os cadernos embaixo da cama mofaram:
depois da enchente, não foram abertos.

A água secou, o cabelo cresceu,
as estantes acumularam livros.
Os cadernos continuam fechados.

Medo de ver os cadernos enrugadinhos,
se estirando no sol feito carne-seca
e eu me esticando
feito lagartixa
sem rabo, nem pé, nem cabeça.

domingo, 24 de agosto de 2008

parábolas erradas de provérbios que deram certo II

Não coma o mingau
tanto pelas beiradas.
Pode descobrir
lá pelo frio
do meio
-fio
que era areia
movediça.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

contador de histórias

tinha esse hábito:
guardava as contas
em débito
dobradinhas, bem dobradinhas,
no bolso das calças.

Depois do alvejante,
dizia que eram poemas.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

radiografia noturna

A insônia me ensina
que na hora de passar a hora
a hora não passa.

E que na doença
(ainda sem nome)
a hora que passa
não cura.

Dói essa lembrança.
E por mais que costure a história,
a cicatriz dura.

Não que me faça falta...
mas há uma mancha na minha postura
que nem o colchão disfarsa:
onde havia a mão encaixada
na minha cintura,
agora,
há um buraco.

domingo, 17 de agosto de 2008

ridículo

É com pó de borracha
liquipaper
control zê.

Pindurar palavras
na ponta da caligrafia
bêbada feito uma bic
com a mão esquerda.

O guardanapo de bar
que não absorve nada
para fazer papel
de bobo.

Papel passado
e amassado,
todas as cartas de amor
são infames.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

paciência

que a vida se constrói,
mas nao se controla
o que o acaso
faz com que acabe.

que nasci
com um buraco no peito.
aumenta, diminui,
toma conta do corpo...
e a maçaroca pulsante
ocupando esse espaço
nao maior que um punho cerrado
comporta todo o espaço do mundo.

que só tem medo quem tem desejo.

que poesia, quando nao mata, tambem nao engorda

que a vida é curta,
e as noites sao longas
e o tempo entre o pensamento e o ato
é de espera.

sábado, 9 de agosto de 2008

não aconteceu

Não aconteceu.
porém o segundo se prolonga
na descrição do segundo.
A ação
estica os braços para o mundo
enquanto perde o tempo do toque.

A ação não alcansa.
o gesto descansa em não existir.
desiste o ato em vão.
O buraco é o espaço
entre o gesto e a mão.

Não aconteceu.
ficou pendurado,
que nem dente mole
que nem gente que
não fode
mas não tira o olho.

Dessas coisas
(coisas de ainda)
não se fala.
E o que entala na garganta,
a gente bebe.
Esse momento
é a distância entre o tempo
e o que o tempo mede.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

subterrâneos

O quadro não fica
onde pindura a rede
O prego não tapa
o buraco na parede
O cigarro não dá
pro buraco do dente
Poema não serve
pra quem entende.

A gente entra
no buraco da roupa
O corredor vaza
pelo buraco da porta
Eu não penso
em outra coisa.

Janela não tapa
o buraco do olho
Peneira sobra sol
pra quem é caolho
Cortina é pálpebra
ou tapa-olho?

Rádio não canta
Mesa não janta
Comida não enche
Tevê não aprende
Carro só anda
A vida não.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

novela

a vida é chata
quando o amor se torna um trato
de matar a barata, lavar a louça,
(o quadro torto, a cara na porta)
fazer o almoço e bater a boca
na pergunta morta:
- homem ou rato?

corta pro segundo ato:
- querida vou comprar cigarros.
- fato que eu me mato.

domingo, 3 de agosto de 2008

ventilador de teto

>Não estranhe se um dia
sentir coçar a barba

E, procurando a pena das cócegas,
olhar para os lados, para o céu,
perguntando ao ventilador
no teto da madrugada

não obter resposta.

Ele não sabe que o desejo te espreita
pela janela, detrás dos espelhos
entre as tuas dobras.

Você e o ventilador nem sonham
o que te espera
pela fresta da porta
pela fresta da saia
pela fresta das pernas.

As pás calmas do ventilador de teto
cantam um giro constante
e suspenso no ar
para fazer dormir.

sábado, 2 de agosto de 2008

botões

Desabotoa minha gola?,
ela diz, entre um vestido e outro.
O ziper emperra de propósito,
quer mesmo é ajuda na vida.
Contando homens feito os botões
que não quer descasar
porque está com as unhas feitas.
Trocando os lensóis.
Fingindo que o tempo não passa.

Um dia,
refazendo o batom
entre um e outro
lembrou que era a mãe
quem fechava o pijama.
Um pijama de flanela rosa estampada
com botões de plástico colorido em forma de flor.
E ela pedia, embora já tivesse aprendido
entre uma noite e outra, dos três anos de idade
Abotoa minha gola?

quinta-feira, 31 de julho de 2008

mãos dadas

O mundo é cruel,
vamos embora.

Para onde as tardes
e os abraços não terminam

vamos caçar borboletas
em forma de livros
e correr um pique
onde os mocinhos-bandidos
estão travestidos de poetas.

vamos jogar videogame pelados
e jogar a vida fora
em ópio, e ócio e odes.

Vamos para onde se apontam
as histórias, as estrelas,
o pulso acelerado.
No máximo uma verruga,
uma sarda, uma marca
de nascença.

E o resto não conta.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

acredoce

Não é desgosto
esta substância acre
que a vida me tem jogado
no rosto.
Não é sal
esse gosto
após o sol posto
maldispostamente
atrás do posto
nove.

Não sei se vou ao cardiologista,
ao sofrer do coração.
Minha psicanalista diz
pra ver na próxima sessão.
Minha mãe diz insistente
pra marcar uma consulta
na vidente que lê mão.
Meu pai diz que não,
"faz parte em ser adulta".

Essa vida de açúcar,
álcool e tal,
não me faz bem.
Quéquitem?
Nos anúncios da tevê
tem horas
em que a gente vê
que viver também faz mal...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

a seco

A cama está fria
a fronha tem buracos
a noite espreita lá fora
o medo alonga os braços.

dormir, nem pensar
correr, nem pensar
amar, nem pensar

Fumar um cigarro, doer a garganta, tomar um remédio.
Eu faço o que posso.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

parábolas erradas de provérbios que deram certo

Era um burro
que espirrava dinheiro.

Comprou um título da academia
e ficou conhecido no mundo inteiro
como o mais inteligente dos burros.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

shakespereando

Proibido colar cartazes
o anuncio grita
em capslok caligráfica.

desavisada
a vida passando em filme
rápido pela janela
Já tinham previsto no script
que um dia ia ser assim,
insight de morte.

meu ipod enxerga tudo em 8 mm
sendo, ou não,
eis a questão.

Antes que um delírio me desça
com anjos pelos ouvidos
descriptografo o mistério alheio:
Telemar, ao contrário,
é Ramelet.

terça-feira, 22 de julho de 2008

quente

você ainda vai perceber
ouvindo de dentro
das cortinas fechadas
o resmungo dos carros
parados no sinal:

parece quente
feito um bicho de estimação

quente
feito um inverno de cachecol

quente
feito a memória
do dia em que se acorda
virado pra janela
de costas
para o corpo
dela.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

pedido

Cabelos estão caindo
feito cacos de vidro.
Um zumbido encanta
a música dos mosquitos.
Estrelas dançam
vestidas de cometa.
Na verdade, são antenas de TV
mas eu faço um pedido assim mesmo.

domingo, 20 de julho de 2008

inês II

Houve uma época em que escrevia
poemas tortos por linhas certas

era quando ainda saíam na rua
e jogavam pião e os brinquedos
se faziam de madeira e corda
e vida.
imaginação funcionava mais
que moeda de troca.

Hoje, ainda a mesma
pessoa a esmo
não sabe mais.

inês

Houve um tempo
em que escrevia errado
por linhas mais tortas ainda.
hoje eu digo
- inês é morta.
Mas eu, baby,
nunquinha.

sábado, 19 de julho de 2008

proposta

Já que estamos aqui
distintos;
Já que o destino
nos pregou a peça
que tanto pedimos;

Já que agora
no calor quase despido da hora,
desnudamos os pudores e paramos,
mesmo em tanto movimento;

Já que,
em rompimento com o mundo,
nos encontramos;
Já que nós já nos tocamos
no corpo e nalma antes;

Por que não desistimos
vestimos a roupa,
trancamos a porta,
apertamos as mãos e,
dando a volta,
não nos despedimos?

sexta-feira, 18 de julho de 2008

equilíbrio

queria saber balbuciar
feito os recém-nascidos.

Apalpando as línguas
em ângulos mais íntimos
recorrendo a fonemas
sem ordem nem pudor
de tirar do chão
e colocar na boca.

ABRRRLLLGGHHQQKKHH...

Até que no ar estoure
intrépida
uma palavra
ou apenas
uma bolha de cuspe.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

apartamento

acabo consumindo,
no aperto,
as memórias alheias.

Dois degraus
e uma vida adiante
acima de mim
o casal faz sexo.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

insônia

Eu ando
302 vezes o espaço
entre o meu quarto
e a geladeira.

Engulo a sede
que não me deixa dormir.
E não é a sede.

Na luz fria.
Na pálida
e malcheirosa luz
vou buscar alimento.
Na fome que me desperta.
Leite e pão:
não é a fome.

O frio dos pés no chão
e os azulejos no escuro.
Visto as meias, mas não é o frio.

Tateio o colchão.
Eu ando
303 vezes
o espaço
entre meu quarto e a geladeira.
Não é o teu corpo
congelado
detrás das portas.

A paredes tortas
as muriçocas, nem a barriga ôca.
Eu ando 304 vezes o espaço
Entre meu quarto
E a geladeira

Que a fome que me acorda
sem nome, sem palavra,
é, aos poucos,
o que me resta.

terça-feira, 15 de julho de 2008

pisca-pisca

Nos segundos escuros
o túnel
é infinito.

Nos outros, é claro,
eu grito!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

ganas

o elástico no punho
aperta
até ficar vermelho


mas não me impede
de escrever


besteiras.

domingo, 13 de julho de 2008

da cinelândia até a lapa

três bundas sorriem
na banca de jornal.


as mulheres nuas
dão, na rua
crescendo em árvore
feito dinheiro.

Eu, um pouco menos
madura que as frutas,
amargo.

sábado, 12 de julho de 2008

quina

você foi embora
e perguntou
se tava na cara
a tapa
que eu dava
pra ser sua mulher

vai ver se tô lá na esquina

Fico por ali
esperando o bonde
onde não tem trilho.
Tenho estado
nesse estado-buraco
em lugares cavidade
sem fundo
nem poço
nem quinas
nem fim.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

sintomas

Doente
do mal
do tato inexistente
Sentido entre os dedos da mão
como formasse uma membrana
cheia do não-ato.

sintomas:
- saliva do gosto do outro
- papas na língua
- formigamento
- poema besta

Está escrito
invisível na testa.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Garota de Copa

Não me trate
tanto
a pão-de-ló

Me maltrate
a pão duro
água e jiló

Eu quero que você me Mate
Leão na praia
como um verão
que tarda
e falha
mas não
tropicália.

terça-feira, 8 de julho de 2008

inspiração

O ar instiga
uma vibração que cresce
no oco do mundo.

um eco
no fundo do corpo
pinica.

a vida triste
insiste
como fricção antiga.

a ficção
mendiga à mão
como se eu escrevesse

ai se eu pudesse!
lutava pra não
virar formiga
até que anoitecesse...

fotolog já era

Ok, me rendi ao blog. Será que isso aqui vai dar mais ibope
que o fotolog? pelo menos as pessoas podem postar comentários
(jogar tomates, por exemplo) se quiserem...
Nem sei como funciona...tem limite de postagens diárias?
Hm, e já que ninguém está olhando,
vou aproveitar pra recalchutar textos antigos.




Queria assim,
o último poema:
orgulhoso, como quem tropeça
corajoso, como quem erra
tácito, como quem mente
mentiroso, como quem sente
ávido, como quem espera
lúcido como quem está para morrer

queria-o assim
meu último poema
sem tema nem verso
a cada vez
que os vejo impressos.