quinta-feira, 13 de novembro de 2008

work in progress

De volta ao conjugado da praia do flamengo, as cortinas permaneciam fechadas. Talvez porque erguê-las seria constatar a previsão maçante da paisagem. “Que tédio”, pensou, “sempre a mesma”. O céu que não mudava, os prédios que não mudavam cobrindo o morro que, por trás de tudo, não era possível saber. Apenas os outdoors de três em três meses para reinaugurar na paisagem cada vez um novo rosto, todos indistinguíveis entre si.

Enfiou as mãos no bolso do casaco, como se procurasse algo, sem saber bem o quê, talvez o amor perdido. Não o amor por ela mas aquele amor adolescente que alimenta nossa necessidade de não morrer. Ergueu-as ainda cerradas, demorando no gesto. Do sobretudo saíram: um tíquete do metrô da viagem para Paris, em 1994, algumas linhas quebradas do forro, uma moeda de cinquenta centavos e outra de dez. “Não era bem o que eu esperava”. Riu, mas no imediato a seguir procurava de onde vinha essa capacidade. A falta de resposta tomou-o num soluço e o homenzinho desabou num choro nervoso.
Pensou em Beatriz, e no momento exato em que tocou os cabelos pretos, a partir de alguma piada como desculpa, que surgira na criatividade bêbada. Não lembrava mais da piada, mas lembrava da textura dos cabelos e poderia descrever a inclinação exata com que os olhos amendoados viraram em sua direção. Trinta e um graus. Queria ligar mas não tinha o telefone. E se tivesse, ligaria?

Da rua vinham barulhos de carros, barulhos de gente, de jogo de futebol. Vinham pedaços de confusão na voz inadequada dos travestis. Mas haviam outros barulhos. barulhos de coisa, barulhos de apartamentos que subiam pelo vão do prédio e denunciavam a intimidade intrusa dos vizinhos. “Se eu tivesse talento talvez tentasse escrever algo sobre isso”. Virou o rosto num grunhido de indignação e ligou a tevê para abafar a realidade. A noite foi uma diversão só, examinando o temporal escorrer na janela e a cerveja goela abaixo, delirando tudo em desenhos que três horas depois estariam perdidos em algum depósito da comlurb.

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