sábado, 30 de agosto de 2008

cambio, desligo

A luz fluorescente
queimou.
Que diriam, se soubessem
dessa tal luz
que na promessa não queima?

O elevador parou.
Acabou a água.
Perdeu a chave.
Emperrou a porta.
Fechou o registro.

Faltaram palavras.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

cresce de novo.

Os cadernos embaixo da cama mofaram:
depois da enchente, não foram abertos.

A água secou, o cabelo cresceu,
as estantes acumularam livros.
Os cadernos continuam fechados.

Medo de ver os cadernos enrugadinhos,
se estirando no sol feito carne-seca
e eu me esticando
feito lagartixa
sem rabo, nem pé, nem cabeça.

domingo, 24 de agosto de 2008

parábolas erradas de provérbios que deram certo II

Não coma o mingau
tanto pelas beiradas.
Pode descobrir
lá pelo frio
do meio
-fio
que era areia
movediça.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

contador de histórias

tinha esse hábito:
guardava as contas
em débito
dobradinhas, bem dobradinhas,
no bolso das calças.

Depois do alvejante,
dizia que eram poemas.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

radiografia noturna

A insônia me ensina
que na hora de passar a hora
a hora não passa.

E que na doença
(ainda sem nome)
a hora que passa
não cura.

Dói essa lembrança.
E por mais que costure a história,
a cicatriz dura.

Não que me faça falta...
mas há uma mancha na minha postura
que nem o colchão disfarsa:
onde havia a mão encaixada
na minha cintura,
agora,
há um buraco.

domingo, 17 de agosto de 2008

ridículo

É com pó de borracha
liquipaper
control zê.

Pindurar palavras
na ponta da caligrafia
bêbada feito uma bic
com a mão esquerda.

O guardanapo de bar
que não absorve nada
para fazer papel
de bobo.

Papel passado
e amassado,
todas as cartas de amor
são infames.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

paciência

que a vida se constrói,
mas nao se controla
o que o acaso
faz com que acabe.

que nasci
com um buraco no peito.
aumenta, diminui,
toma conta do corpo...
e a maçaroca pulsante
ocupando esse espaço
nao maior que um punho cerrado
comporta todo o espaço do mundo.

que só tem medo quem tem desejo.

que poesia, quando nao mata, tambem nao engorda

que a vida é curta,
e as noites sao longas
e o tempo entre o pensamento e o ato
é de espera.

sábado, 9 de agosto de 2008

não aconteceu

Não aconteceu.
porém o segundo se prolonga
na descrição do segundo.
A ação
estica os braços para o mundo
enquanto perde o tempo do toque.

A ação não alcansa.
o gesto descansa em não existir.
desiste o ato em vão.
O buraco é o espaço
entre o gesto e a mão.

Não aconteceu.
ficou pendurado,
que nem dente mole
que nem gente que
não fode
mas não tira o olho.

Dessas coisas
(coisas de ainda)
não se fala.
E o que entala na garganta,
a gente bebe.
Esse momento
é a distância entre o tempo
e o que o tempo mede.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

subterrâneos

O quadro não fica
onde pindura a rede
O prego não tapa
o buraco na parede
O cigarro não dá
pro buraco do dente
Poema não serve
pra quem entende.

A gente entra
no buraco da roupa
O corredor vaza
pelo buraco da porta
Eu não penso
em outra coisa.

Janela não tapa
o buraco do olho
Peneira sobra sol
pra quem é caolho
Cortina é pálpebra
ou tapa-olho?

Rádio não canta
Mesa não janta
Comida não enche
Tevê não aprende
Carro só anda
A vida não.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

novela

a vida é chata
quando o amor se torna um trato
de matar a barata, lavar a louça,
(o quadro torto, a cara na porta)
fazer o almoço e bater a boca
na pergunta morta:
- homem ou rato?

corta pro segundo ato:
- querida vou comprar cigarros.
- fato que eu me mato.

domingo, 3 de agosto de 2008

ventilador de teto

>Não estranhe se um dia
sentir coçar a barba

E, procurando a pena das cócegas,
olhar para os lados, para o céu,
perguntando ao ventilador
no teto da madrugada

não obter resposta.

Ele não sabe que o desejo te espreita
pela janela, detrás dos espelhos
entre as tuas dobras.

Você e o ventilador nem sonham
o que te espera
pela fresta da porta
pela fresta da saia
pela fresta das pernas.

As pás calmas do ventilador de teto
cantam um giro constante
e suspenso no ar
para fazer dormir.

sábado, 2 de agosto de 2008

botões

Desabotoa minha gola?,
ela diz, entre um vestido e outro.
O ziper emperra de propósito,
quer mesmo é ajuda na vida.
Contando homens feito os botões
que não quer descasar
porque está com as unhas feitas.
Trocando os lensóis.
Fingindo que o tempo não passa.

Um dia,
refazendo o batom
entre um e outro
lembrou que era a mãe
quem fechava o pijama.
Um pijama de flanela rosa estampada
com botões de plástico colorido em forma de flor.
E ela pedia, embora já tivesse aprendido
entre uma noite e outra, dos três anos de idade
Abotoa minha gola?