quinta-feira, 31 de julho de 2008

mãos dadas

O mundo é cruel,
vamos embora.

Para onde as tardes
e os abraços não terminam

vamos caçar borboletas
em forma de livros
e correr um pique
onde os mocinhos-bandidos
estão travestidos de poetas.

vamos jogar videogame pelados
e jogar a vida fora
em ópio, e ócio e odes.

Vamos para onde se apontam
as histórias, as estrelas,
o pulso acelerado.
No máximo uma verruga,
uma sarda, uma marca
de nascença.

E o resto não conta.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

acredoce

Não é desgosto
esta substância acre
que a vida me tem jogado
no rosto.
Não é sal
esse gosto
após o sol posto
maldispostamente
atrás do posto
nove.

Não sei se vou ao cardiologista,
ao sofrer do coração.
Minha psicanalista diz
pra ver na próxima sessão.
Minha mãe diz insistente
pra marcar uma consulta
na vidente que lê mão.
Meu pai diz que não,
"faz parte em ser adulta".

Essa vida de açúcar,
álcool e tal,
não me faz bem.
Quéquitem?
Nos anúncios da tevê
tem horas
em que a gente vê
que viver também faz mal...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

a seco

A cama está fria
a fronha tem buracos
a noite espreita lá fora
o medo alonga os braços.

dormir, nem pensar
correr, nem pensar
amar, nem pensar

Fumar um cigarro, doer a garganta, tomar um remédio.
Eu faço o que posso.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

parábolas erradas de provérbios que deram certo

Era um burro
que espirrava dinheiro.

Comprou um título da academia
e ficou conhecido no mundo inteiro
como o mais inteligente dos burros.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

shakespereando

Proibido colar cartazes
o anuncio grita
em capslok caligráfica.

desavisada
a vida passando em filme
rápido pela janela
Já tinham previsto no script
que um dia ia ser assim,
insight de morte.

meu ipod enxerga tudo em 8 mm
sendo, ou não,
eis a questão.

Antes que um delírio me desça
com anjos pelos ouvidos
descriptografo o mistério alheio:
Telemar, ao contrário,
é Ramelet.

terça-feira, 22 de julho de 2008

quente

você ainda vai perceber
ouvindo de dentro
das cortinas fechadas
o resmungo dos carros
parados no sinal:

parece quente
feito um bicho de estimação

quente
feito um inverno de cachecol

quente
feito a memória
do dia em que se acorda
virado pra janela
de costas
para o corpo
dela.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

pedido

Cabelos estão caindo
feito cacos de vidro.
Um zumbido encanta
a música dos mosquitos.
Estrelas dançam
vestidas de cometa.
Na verdade, são antenas de TV
mas eu faço um pedido assim mesmo.

domingo, 20 de julho de 2008

inês II

Houve uma época em que escrevia
poemas tortos por linhas certas

era quando ainda saíam na rua
e jogavam pião e os brinquedos
se faziam de madeira e corda
e vida.
imaginação funcionava mais
que moeda de troca.

Hoje, ainda a mesma
pessoa a esmo
não sabe mais.

inês

Houve um tempo
em que escrevia errado
por linhas mais tortas ainda.
hoje eu digo
- inês é morta.
Mas eu, baby,
nunquinha.

sábado, 19 de julho de 2008

proposta

Já que estamos aqui
distintos;
Já que o destino
nos pregou a peça
que tanto pedimos;

Já que agora
no calor quase despido da hora,
desnudamos os pudores e paramos,
mesmo em tanto movimento;

Já que,
em rompimento com o mundo,
nos encontramos;
Já que nós já nos tocamos
no corpo e nalma antes;

Por que não desistimos
vestimos a roupa,
trancamos a porta,
apertamos as mãos e,
dando a volta,
não nos despedimos?

sexta-feira, 18 de julho de 2008

equilíbrio

queria saber balbuciar
feito os recém-nascidos.

Apalpando as línguas
em ângulos mais íntimos
recorrendo a fonemas
sem ordem nem pudor
de tirar do chão
e colocar na boca.

ABRRRLLLGGHHQQKKHH...

Até que no ar estoure
intrépida
uma palavra
ou apenas
uma bolha de cuspe.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

apartamento

acabo consumindo,
no aperto,
as memórias alheias.

Dois degraus
e uma vida adiante
acima de mim
o casal faz sexo.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

insônia

Eu ando
302 vezes o espaço
entre o meu quarto
e a geladeira.

Engulo a sede
que não me deixa dormir.
E não é a sede.

Na luz fria.
Na pálida
e malcheirosa luz
vou buscar alimento.
Na fome que me desperta.
Leite e pão:
não é a fome.

O frio dos pés no chão
e os azulejos no escuro.
Visto as meias, mas não é o frio.

Tateio o colchão.
Eu ando
303 vezes
o espaço
entre meu quarto e a geladeira.
Não é o teu corpo
congelado
detrás das portas.

A paredes tortas
as muriçocas, nem a barriga ôca.
Eu ando 304 vezes o espaço
Entre meu quarto
E a geladeira

Que a fome que me acorda
sem nome, sem palavra,
é, aos poucos,
o que me resta.

terça-feira, 15 de julho de 2008

pisca-pisca

Nos segundos escuros
o túnel
é infinito.

Nos outros, é claro,
eu grito!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

ganas

o elástico no punho
aperta
até ficar vermelho


mas não me impede
de escrever


besteiras.

domingo, 13 de julho de 2008

da cinelândia até a lapa

três bundas sorriem
na banca de jornal.


as mulheres nuas
dão, na rua
crescendo em árvore
feito dinheiro.

Eu, um pouco menos
madura que as frutas,
amargo.

sábado, 12 de julho de 2008

quina

você foi embora
e perguntou
se tava na cara
a tapa
que eu dava
pra ser sua mulher

vai ver se tô lá na esquina

Fico por ali
esperando o bonde
onde não tem trilho.
Tenho estado
nesse estado-buraco
em lugares cavidade
sem fundo
nem poço
nem quinas
nem fim.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

sintomas

Doente
do mal
do tato inexistente
Sentido entre os dedos da mão
como formasse uma membrana
cheia do não-ato.

sintomas:
- saliva do gosto do outro
- papas na língua
- formigamento
- poema besta

Está escrito
invisível na testa.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Garota de Copa

Não me trate
tanto
a pão-de-ló

Me maltrate
a pão duro
água e jiló

Eu quero que você me Mate
Leão na praia
como um verão
que tarda
e falha
mas não
tropicália.

terça-feira, 8 de julho de 2008

inspiração

O ar instiga
uma vibração que cresce
no oco do mundo.

um eco
no fundo do corpo
pinica.

a vida triste
insiste
como fricção antiga.

a ficção
mendiga à mão
como se eu escrevesse

ai se eu pudesse!
lutava pra não
virar formiga
até que anoitecesse...

fotolog já era

Ok, me rendi ao blog. Será que isso aqui vai dar mais ibope
que o fotolog? pelo menos as pessoas podem postar comentários
(jogar tomates, por exemplo) se quiserem...
Nem sei como funciona...tem limite de postagens diárias?
Hm, e já que ninguém está olhando,
vou aproveitar pra recalchutar textos antigos.




Queria assim,
o último poema:
orgulhoso, como quem tropeça
corajoso, como quem erra
tácito, como quem mente
mentiroso, como quem sente
ávido, como quem espera
lúcido como quem está para morrer

queria-o assim
meu último poema
sem tema nem verso
a cada vez
que os vejo impressos.